19 de novembro de 2010

A deriva

  Não posso ser ingrata com o mar e dizer que nunca me encontrei com o destino desejado, mas certamente posso acusá-lo de não me ajudar. O teimoso sabe que estou aprendendo a velejar, que meus barcos – coloco no plural porque já perdi vários – são simples e movidos a remos, remos que eu preciso conduzir no braço. Todo o processo cansa, e é justamente quando eu acredito demais na calmaria e decido descansar, que o danado resolve se revoltar. Além do mais, me sinto desrespeitada quando isso acontece. Não se arruma barco com facilidade hoje em dia, é preciso ter muita coragem e força de vontade, somadas com um jogo de cintura valoroso.
  Além da “forte personalidade” do mar, tenho que aprender a lidar com saqueadores dos piratas. Como eu, também são viajantes do mar, mas preferem viajar a custa dos sacrifícios alheios. São espertos – esperteza não é qualidade – e dificilmente desfilam de bandeira preta por aí. Normalmente, não se percebe que são piratas até que tudo tenha desaparecido, com eles junto. Pra contar, fica só o prejuízo.
  A questão em si não é o fato de ter me perdido no meio da imensidão do mar. A questão é que não é a primeira, nem a segunda vez que isso me acontece. Encontrei-me assim novamente, como em todas às vezes. O que sobra de um corpo, com um resto de alma, juntando os frangalhos do que um dia já fora um pequeno barco. Meus remos? Sempre perco. Fico tempos a deriva, até ser jogada – ou encontrada – num pedaço de chão seco.
  Lá sabe Deus quantas vezes já velejei. Perdi as contas. Não porque sou desleixada ou não me dedico as minhas viagens, e sim porque sou mais nômade que “maruja”, por assim dizer. A emoção da minha vida até o agora foi navegar de um porto a outro, absorvendo e dividindo riquezas de sabedoria impagáveis.

  As viagens mais longas são assim. O mar sempre me engole. E quando vomita, faz o processo normal do vômito: devolve-me a superfície em restos desgastados, em qualquer lugar, sendo levada a lugar nenhum.
  Ouço criticas. Como ouço! Cada vez que mostro minhas cicatrizes – de tola que sou, ainda mostro – escuto que qualquer um já teria se aportado e encostado os remos em busca de estabilidade. O que não sabem é que minha estabilidade está em ver o mundo, descobrir tudo o que há nele. Mesmo que seja a duras penas, prefiro enriquecer a alma que os bolsos, e desfrutar da liberdade que só o conhecimento dá ao homem. Os piratas podem me levar até as ceroulas, mas o que eu aprendi... Ah, isso é só meu. Meu conhecimento eles não levam, tão pouco desfrutam.
  Agradeço pela ajuda e estadia, não tenho prata nem ouro, apenas gratidão e esse monte de papéis soltos para lhe dar em troca. Já estou recuperada, arranjei barco novo, já passo partir. Preciso seguir viagem, o mundo é grande e o tempo é curto.
  Fique tranqüilo, vou em paz e não tenho medo. Sei que é certo que um dia o mar irá me engolir de vez, e não me devolverá. Neste momento, o imenso rebelde fará diferente. Irá digerir meu corpo, e arrotar minh’alma de forma libertadora com ar de satisfação, para que esta busque esses papeis soltos dos quais lhe falei, acabo sempre deixando alguns por onde passo. Neles sim me aportarei, guiarei novos remos e serei eterna.

Andrezza Mascarenhas

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